E Shakespeare também foi moderno

 Sem Título-2
“SHYLOCK - Para isca de peixe. Se não servir para alimentar coisa alguma, servirá para alimentar minha vingança. Ele me humilhou, impediu-me de ganhar meio milhão, riu de meus prejuízos, zombou de meus lucros, escarneceu de minha nação, atravessou-se-me nos negócios, fez que meus amigos se arrefecessem, encorajou meus inimigos. E tudo, por quê? Por eu ser judeu. Os judeus não têm olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações, paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos? Se nos derdes veneno, não morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. Se um judeu ofende a um cristão, qual é a humildade deste? Vingança. Se um cristão ofender a um judeu, qual deve ser a paciência deste, de acordo com o exemplo do cristão? Ora, vingança. Hei de por em prática a maldade que me ensinastes, sendo de censurar se eu não fizer melhor do que a encomenda.”

[Trecho da peça “O Mercador de Veneza”]

1 comentários:

Rafael (História) disse...

Usar como ferramenta de análise os conceitos do materialismo histórico nessa obra em específico é algo tentador.
Encontra-se na produção literária, valioso documento para a compreensão da síntese de Karl Marx: o fetichismo, acúmulo monetário, ascensão da burguesia e o papel do judeu nesse processo. Algumas perguntas me vem a mente: O papel do judeu mudou no capitalismo crescente? Hoje temos acesso a propriedade ou esta seria apenas um pedaço de carne que fora penhorado pela maior parcela da sociedade que não participa da acumulação monetária?